Diálogos telepáticos entre espécies ajudam no luto

Técnica se tornou ferramenta de terapia no processo de reconstrução da vida quando animais de estimação morrem.

Livro de J. Allen Boone, de 1954, esboça o que se tornaria o conceito da comunicação intuitiva

Era mais um dia de atendimento. A paciente trouxe um “texto diferente” para a sessão. Era uma mensagem do animal dela que tinha falecido. Me explicou que não se tratava de uma carta psicografada, mas sim de uma mensagem recebida diretamente da essência do bichinho, captada por um profissional. Aquela foi a primeira vez que via algo do tipo.

Depois, por diversas vezes, as tais mensagens viraram material de terapia. Percebi os efeitos benéficos para o processo de luto dos tutores. Especialmente quando aliviam a culpa que atormenta 9 entre 10 tutores que se sentam a minha frente. É um conteúdo que abre oportunidade de expressar sentimentos ou promove a despedida que ficou faltando.

E é um processo interessante: tutores buscam a comunicação, geralmente, pela dificuldade de transformar o vínculo, e acabam por encontrar uma ferramenta de reconstrução da vida.

O volume das comunicações tem crescido tanto, que decidi entender melhor do que se tratava. A comunicação intuitiva, telepática ou interespécies é uma técnica que acessa o campo e a consciência de outro ser. Exige muito treino, estudo e autoconhecimento. Fiz o curso básico duas vezes para conhecer. Tive algum êxito me comunicando com insetos e minhocas. Parei ali. Tornar-me profissional não era o objetivo.

Mas nas sessões com pacientes enlutados, esse é um caminho que traz bons desfechos. Então, fiz uma parceria com uma comunicadora profissional (como sempre me perguntam, é com a @reikipetrio).

Funcionamos assim: uma sessão inicial comigo, para acolhimento e organização das perguntas que o paciente deseja fazer. A sessão de comunicação. Última sessão comigo, para conversar sobre as respostas obtidas e fazer encaminhamento, quando necessário.

A quatro mãos – e dois corações – atendemos uma senhora idosa e enferma que vivia em um país latino. Ela perdera o adorado gato, a única companhia durante a pandemia. Tinha poucas amigas – as quais não encontrava – e a filha morava na Europa. Que pesar imenso ela sentia! Trabalhamos a relação de ambos no final de vida dele e questões práticas. Em certo momento, o felino contou como vivenciou a morte e, claramente, a instruiu sobre como morrer sem medo. Sua insistência no tema, e as instruções precisas, não deixavam dúvidas: ele a estava preparando para partir. Por fim, ele reafirmou seu amor por ela e disponibilidade para ajudá-la.

Fiz a sessão de encerramento com o desafio do idioma e de acalmá-la, da melhor forma. Trocamos mensagens algumas vezes depois daquele dia. Tinha preocupação com sua saúde e com sua possibilidade de reconstruir a vida. Ela sempre retornava, cordata e agradecida. Pouco tempo depois, deixou de responder. Sinto que foi encontrar seu gatinho amoroso.

Uma referência clássica para os comunicadores é o livro Kinship with all life de J. Allen Boone, lançado em 1954 (sem tradução para o português, lamentavelmente). Nele, o autor descreve a descoberta de uma relação simétrica com Strongheart, cão-ator que hospedou por um período. O livro é belamente escrito e profundamente sensível. Ele foi roteirista em Hollywood.

Boone esboça o que se tornaria o conceito da comunicação intuitiva, descrevendo a premissa básica dessa técnica: a mudança de perspectiva do humano como ser superior, para a coexistência com uma espécie diferente, com a qual ele pode aprender. A nova postura permite ingressar no universo interior dos animais, repleto de percepções e sabedoria que não suspeitamos!

A comunicação intuitiva tem se mostrado um apoio valioso durante os tratamentos médicos igualmente. Recentemente uma paciente, cujo cão está em tratamento para câncer, recebeu a informação de que ele sentia mal-estar na barriga. Após vários exames, os médicos veterinários não encontraram nada que justificasse o sintoma. Dois dias depois ele foi internado com um sangramento abdominal devido ao tumor.

O precioso acesso telepático, disponível hoje, permite melhorar o bem-estar dos animais de estimação, captando suas necessidades, preferências, estado físico, emocional e energético. Também informar sobre eventos que os afetarão, diminuindo possível estresse. Quando compartilhamos da perspectiva horizontal que Boone propõe, às vezes recebemos conselhos e puxões de orelha amorosos. Outro dia Murci, minha gata caçula, me sugeriu mais exercício físico e menos sono…

Ainda que com os pés firmes no embasamento científico e técnico da psicologia especializada em luto e na teoria do apego, me rendo à dimensão intuitiva. Ela tece significados e sentidos, tão caros ao enlutado em seu processo. A vivência intuitiva, como um mundo paralelo, cruza o véu da consciência mundana continuamente. Outro dia, uma paciente, que é comunicadora, desviou o olhar várias vezes para a janela durante a sessão. Antes que pudéssemos refletir sobre o fato, ela explicou que havia uma ave que queria se comunicar com ela. Por que não?

patricia-vidal
Patrícia Vidal
Psicóloga, especializada em vínculos e luto por perda de animais domésticos, e apaixonada por gatos